Lula defende multilateralismo na ONU; Trump reforça tarifas, mas acena a diálogo com o Brasil
23/09/2025
(Foto: Reprodução) Trump diz que abraçou Lula e que tiveram ótima química
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu nesta terça-feira (23) a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), com um discurso em defesa do multilateralismo e críticas indiretas ao protecionismo comercial dos Estados Unidos.
A fala evidenciou o contraste com a postura do presidente Donald Trump, que discursou em seguida, em um dos períodos mais delicados da relação bilateral em décadas. Mesmo assim, o republicano revelou ter conversado brevemente com Lula e afirmou que um encontro entre os líderes pode ocorrer na próxima semana.
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Cada abertura da Assembleia Geral da ONU segue um tema central. Em geral, os líderes fazem referências breves a esse tópico antes de direcionar seus discursos a questões de maior interesse nacional ou internacional.
O tema escolhido deste ano foi: “Melhor juntos: 80 anos e mais em prol da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos”.
A seguir, o g1 resume os principais pontos tratados nos discursos dos líderes mundiais durante a Assembleia Geral da ONU.
Discursos que ocorreram durante a manhã:
Lula
Em sua fala, Lula apresentou a visão brasileira sobre a crise comercial global, agravada pelas tarifas impostas por Washington. Segundo o governo, essas medidas fragilizam economias emergentes e distorcem o comércio internacional.
Segundo Lula, essa estratégia aprofunda desigualdades econômicas e compromete a cooperação entre países. Ele defendeu ainda reformas estruturais na Organização Mundial do Comércio (OMC), com “bases modernas e flexíveis” capazes de enfrentar práticas unilaterais.
"Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio... Medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida. Desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral perniciosa de preços altos e estagnação."
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados. Sede das Nações Unidas, Salão da Assembleia Geral – Nova York (EUA)
Ricardo Stuckert / PR
Lula também defendeu a autonomia das instituições brasileiras e ressaltou a importância de preservar o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) diante das críticas de autoridades de Washington.
"Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável (...) Seguiremos como país soberano e povo unido contra qualquer tipo de ameaça."
No plano global, Lula afirmou que a verdadeira guerra a unir os países deve ser o combate à pobreza e à fome. Ele lembrou que o Brasil lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, já apoiada por 103 países.
Para viabilizar essa meta, o presidente defendeu que a comunidade internacional redirecione suas prioridades para:
Reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento;
Aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos; e
Definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores.
A pauta ambiental também esteve no centro do discurso. Lula destacou o compromisso do Brasil em reduzir entre 59% e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia.
“Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões. Exigir maior ambição e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça. A corrida por minerais críticos, essenciais para a transição energética, não pode reproduzir a lógica predatória que marcou os últimos séculos.”
Como anfitrião da COP 30 em novembro, Lula usou o discurso para buscar apoio político e financeiro ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre — iniciativa voltada à preservação de biomas estratégicos em troca de financiamento internacional de longo prazo.
Donald Trump
Logo após Lula, Donald Trump discursou em tom oposto. O republicano, no entanto, surpreendeu ao revelar que havia se encontrado brevemente com o presidente brasileiro na Assembleia Geral da ONU.
"Eu estava entrando e o líder do Brasil estava saindo. Nós nos vimos, eu o vi, ele me viu, e nós nos abraçamos. E aí eu penso: 'Vocês acreditam que vou dizer isso em apenas dois minutos?' Nós realmente combinamos de nos encontrar na próxima semana.”
Trump discursa na ONU em 23 de setembro de 2025
Shannon Stapleton/Reuters
Segundo Trump, o encontro durou menos que 1 minuto. Ainda assim, ele afirmou que uma reunião entre os dois presidentes foi proposta para a próxima semana.
“Fico feliz de ter esperado, porque essa coisa não deu muito certo, mas nós conversamos, tivemos uma boa conversa e combinamos de nos encontrar na próxima semana, se isso for de interesse, mas ele pareceu um homem muito agradável (...) Tivemos uma excelente química por pelo menos uns 39 segundos."
Antes dos elogios, Trump afirmou que o Brasil agora enfrenta tarifas pesadas em resposta “aos seus esforços sem precedentes para interferir nos direitos e liberdades dos nossos cidadãos americanos e de outros [países]”.
Ele acusou o Brasil de promover censura, repressão, armamento, corrupção judicial e perseguição a críticos políticos nos EUA.
Trump também justificou as tarifas como forma de proteger a indústria nacional, em sintonia com sua política de “America First”. "Estamos usando as tarifas para defender a nossa soberania e segurança no mundo", disse.
O presidente americano ainda criticou organizações internacionais, acusando-as de perder relevância e de falhar diante das crises globais. Também destacou resultados dos primeiros meses de seu governo como prova de eficiência.
"Encerrei sete guerras sem a ajuda da ONU. Onde estavam eles? Apenas escalaram as coisas. (...) Qual é o propósito das Nações Unidas?", indagou Trump.
Veja o que outros líderes devem falar durante à tarde:
Marcelo Rebelo de Sousa
O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, deve centrar seu discurso na defesa do multilateralismo.
Em declarações recentes, o chefe de Estado português tem enfatizado a importância da cooperação internacional para enfrentar conflitos, desigualdades e mudanças climáticas.
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, em foto de 18 de março de 2020
Miguel Figueiredo Lopes/Pool via Reuters/Arquivo
Rebelo de Sousa também deve usar a visibilidade da Assembleia Geral para reforçar a candidatura de Portugal a um assento não permanente no Conselho de Segurança da ONU no biênio 2027-2028.
A disputa, que já conta com candidatos como Alemanha e Áustria, é prioridade da política externa portuguesa no curto prazo.
Emmanuel Macron
O presidente da França, Emmanuel Macron, deve usar seu discurso para criticar o uso de tarifas comerciais como instrumento de pressão política.
Em declarações anteriores, Macron classificou essas práticas como formas de “chantagem”, alertando que barreiras tarifárias não reequilibram o comércio, mas aprofundam desigualdades.
Macron deve defender a revisão do papel da Organização Mundial do Comércio para alinhar o sistema global de trocas às metas de redução da pobreza e combate às mudanças climáticas.
Para ele, retomar guerras comerciais em um momento de fragilidade global seria um retrocesso perigoso.
Emmanuel Macron em seu discurso na Assembleia Geral da ONU em 22 de setembro de 2025.
Reuters/ Eduardo Munoz
No campo diplomático, Macron deve reforçar duas frentes que têm marcado sua atuação recente: a busca pela paz no Oriente Médio e a defesa de um comércio internacional mais equilibrado.
Macron tem afirmado que “o tempo da paz chegou” e que não há justificativa para a continuidade da guerra em Gaza. A França foi um dos países que recentemente reconheceram o Estado palestino, reforçando sua posição de mediador nas discussões sobre a solução de dois Estados.
Nesse contexto, Macron deve reiterar a importância das negociações multilaterais e lamentar a ausência de potências como os EUA em encontros voltados a discutir soluções para o conflito.